O quanto (ou como) o pessoal é universal?

on quinta-feira, 29 de setembro de 2011
"Os artistas se dividem entre aqueles que criam seu próprio mundo interior, e aqueles que recriam a realidade. Pertenço, sem sombre de dúvida, à primeira categoria - isso porém, não muda nada: meu mundo interior pode ser de interesse para alguns, enquanto outros permanecerão frios diante dele, quando não irritados.”

Quem disse isso foi o cineasta russo Tarkovsky, numa das passagens do seu livro Esculpir o Tempo. Eu não tenho experiência artística suficiente para afirmar, tão categoricamente como ele, a qual grupo pertenço. Porém, não tenho dúvidas de que também me identifico com a primeira categoria. Afinal, minha primeira experiência na direção de uma peça audiovisual, um documentário chamado O Espelho de AnA, tem por matéria prima justamente o mundo interior, o meu mundo interior.

Vendo este filme quase pronto aqui na ilha de edição da minha casa, imagino-o caminhando pelo mundo em telas de outros computadores, e quiçá telas maiores. Nestes vislumbres não consigo deixar de me perguntar o quanto este mundo, que é meu, interessará àquele mundo, que é outro, que é dos outros?







É de novo o Tarkovsky que, respondendo à críticas feitas na época do lançamento do seu filme O Espelho - criticado por ser um filme cujo diretor falava sobre si e para si, criticado por tratar de um tema tão mesquinho em uma Rússia revolucionária -, responde também à mim:

"O Espelho não foi, em absoluto, uma tentativa de falar sobre mim mesmo. Ele falava sobre meus sentimentos para com pessoas que me eram muito queridas, sobre meu relacionamento com elas, sobre minha eterna compaixão pelo seu sofrimento e pelas minhas próprias falhas - o meu sentimento de dever não cumprido."

O Espelho do Tarkovsky falava de si, mas como falar de si sem falar do outro? Me parece que surgimos nas relações que estabelecemos com as pessoas, com as coisas, com o mundo. Somos em relação a algo e a alguém, como um ponto em uma rede.






Ainda assim ele diz que desde a primeira versão do roteiro até os últimos cortes do filme faltava algo crucial que “elevasse o filme acima do nível de uma reminiscência lírica”. Tarkovsky resolveu isto quando encontraram imagens de arquivo de homens do exército Russo cruzando o lago Sivash durante a Segunda Guerra Mundial. Ele diz que ali conseguiu fazer uma ligação da história particular dele (diretor/personagem) com a história de seu país.

Será que começamos a nos aproximar de uma resposta para a pergunta do título? Um dos modos seria, então, contextualizar o particular em um universo notadamente comum? Ele usou o universo político e histórico. No meu filme investi em experiências cotidianas e/ou comuns: como a do parto, primeiros anos de maternidade/paternidade, embates domésticos, dinâmicas amorosas. Será que elas dizem respeito aos outros? Será que o modo como as abordei diz respeito aos outros? Será que este texto e estas perguntas dizem respeito aos outros?

Talvez mais válido do que ficar girando em uma espiral especular é colocar o filme, e o post, no mundo e ver o que o mundo diz em troca (se é que diz). Diz?







"O autor não pode esperar que sua obra seja entendida de uma forma específica e de acordo com a percepção que tem dela. Tudo o que pode fazer é apresentar sua própria imagem do mundo, para que as pessoas possam olhar esse mundo através dos seus olhos e se deixem impregnar por seus sentimentos, dúvidas e idéias..."


(imagens da artista Wendy Mcmurdo) 

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