Dançar "serve" para que? E a quem?

on quinta-feira, 17 de março de 2011
Bom, "entretantas" ações desse blog, uma delas é podermos compartilhar perguntas, provocações/ proposicões que tem nos inquietado. A cada 15 dias um dos integrantes e /ou colaboradores da Entretantas postará uma pergunta/questão ao coletivo.
Nenhuma pessoa tem a obrigação de responder, porém acreditamos que essas proposições abrirão espaço para podermos discutir, trocar idéias, produzir textos, enfim...tecermos algumas conexões.
Fica aqui o convite para todas as pessoas que acompanham nosso blog de participarem, da maneira que quiserem.

Inicio esse rodizio com uma pergunta que com uma certa frequência me faço: Dançar serve para que? E a quem? Podemos falar de funcionalidade em dança, ou em arte? Se sim, que funções podem ser essas?

Ronie Rodrigues

16 comentários:

joubert disse...

Tem gente que dança pra ficar de bem com a vida. Tem gente que dança para ter um corpo sarado. Tem gente que dança pelo glamour do palco. Tem gente que dança para se socializar e fazer amigos. Tem gente que dança para testar e experimentar os limites do corpo. Tem gente que dança pelo simples fato de dançar. Tem gente que dança para não enlouquecer. Tem gente que dança justamente para enlouquecer...

Fazer dança, arte, é, então, alguma coisa no mundo para desestabilizar estruturas fixas no entendimento de corpo...

Ronie Rodrigues disse...

Concordo Joubert. Com seu texto, me lembrei de uma conversa com a Eleonora Fabião, em que ela fala sobre a arte (performance) como dialética etre alimento e veneno. Ao mesmo tempo que nutre, pode matar. Com sua permissão continuo aqui um pouco seu texto....

" Fazer dança, arte, é, então, alguma coisa no mundo para desestabilizar estruturas fixas no entendimento de corpo"

Dessa maneira dançar pode "servir" a uma reinvençao de mundo.(corpo). Danço/dançamos/alguem dança para reinventar um outro corpomundo.

O filosofo Jose Gil (bastante presente nesse momento para mim) diz ser o corpo a caixa de ressonância mais sensível de percepção das tendências obscuras de uma época, e para ele "escutar" sua própria época é procurar zonas de turbulências. Que para mim tem a ver com essa desestabilação de estruturas fixas que voce diz Joubert.

Se a dança serve para algo, ela pode servir a muitas coisas, inclusive não servir para nada. E imaginem o quanto subversivo e assustador uma coisa que nao serve para nada pode representar dentro de um sistema economico de produçao como o nosso?

Anônimo disse...
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Gladis Tridapalli disse...

Oi Jou e Ronie

Difícil essa questão, mas entrando aí na conversa de vocês, começo minha reflexão e possível resposta com a voz de Cunningham:
"é preciso gostar-se muito de dançar para se manter ligado à dança. Ela não nos dá absolutamente nada, nem manuscritos para guardar, nem pinturas para exibir nas paredes de casa ou dos museus, nem poemas para imprimir e vender. Nada, a não ser o fugidio momento em que nos sentimos vivos"

Dança é, sem romantizar, sentir-se vivo. Dança não serve para nada, no sentido de algo muito funcional ou utilitário. Mas serve, se esse é o melhor verbo, para muito e ou pouco para ampliar a sensação de estar vivo e assim encarar tudo que diz respeito à vida: incompletude, incerteza, imprevisibilidade, medo do desconhecido.
Com dança, sentir/entender a vida, implica lidar com muita coisa e entre elas, coisas que Jouber e Ronie comentam: percepção, turbulência, desestabilização, loucura, veneno, alimento.

Acho que é isso, a dança existe como e não para. Ela é. Quando eu trabalhava em escola, muitas vezes, tive que responder perguntas como: se minha filha dançar, a dança vai ajudar na matemática? eu respondia, não sei. E eu devolvia a pergunta, por que você me pergunta isso? Nunca me perguntaram rsrs se a matemática iria ajudar no aprendizado de dança. O que será que está por trás da pergunta corriqueira?

A dança não existe para ajudar ou servir. Ela é. É um modo de conhecer o e no mundo, por tanto um jeito de experimentar. Experiências que são tecidas da possibilidade de criar, transformar, promover outros arranjos, outras configurações. Dança que altera pensamentos, estados e comportamentos. Dança que sente e produz na carne a autoreflexão e questionamento do e no mundo.

Sair do estado de anestesia e alienação, propondo outros jeitos de mover como discursos, é de alguma forma subversivo e nem sempre bem vindo nos dias de hoje.

Sobre a pergunta - Para quem? - ainda preciso matutar antes de arriscar palavras aqui.

E lendo os comentários do Ronie e Joubert, percebi que vocês também não responderam. E aí Ronie e Jouber...dança para quem?
vamos continuar essa conversa?

Gladis Tridapalli

Ronie disse...

Otima lembrança/provocação Gla! Vou pensar e me arriscar depois aqui a escrever algo. Beijus.

Mábile disse...

Dançar serve para que?

Dançar é ir ao encontro do sentido, é o espaço de troca e ressignificação do cotidiano e do sentido da existência. Dançar serve para que exista troca entre sujeitos e ambientes. A dança facilita a circulação de ideias, possibilita a criação, favorece ao debate, promove o compartilhamento de pensamentos, e, principalmente, garante a diversidade de linguagens de movimentos, sem qualquer tipo de preconceito. (Assim eu espero...)

Dançar não é para... e nem para.... Dançar já é.

é comunicar conhecimento...

Só quando a dança for vista como conhecimento, poderá ocupar o papel que lhe cabe na comunidade... Dança como dança servindo como dança...

Para quem?

Para todos nós e para ninguém, assim como todas as outras profissões/ações no mundo.

Ronie disse...

Mapi, ótimo ter você na discussão. Sem ainda nem ter respondido a pergunta da Gla, gostaria de te lançar duas perguntas provocações instigadas pelo seu texto.
De que maneira dança vira conhecimento? (pergunto isso pois é algo que tambem utilizo em coisas que eu escrevo, mas que enfim, nem sei se eu entendo direito)

Como e de que jeito a dança facilita circulaçao de ideias?

Concordo com voce quando voce responde a pergunta: Dançar serve para quem: "Para todos nós e para ninguém, assim como todas as outras profissões/ações no mundo. " Gosto de fazer essa aproximação entre a profissao artistica e qualquer outra profissao

Cezar Tridapalli disse...

Olá! Bem, minha intenção não é necessariamente concordar nem discordar, mas lançar uma teia que ligue – mesmo que de maneira frágil – arte, dança, literatura e... esporte!

Sobre esse inutensílio que é a arte (quanto de nós já não pensaram em estudar algo “que sirva pra alguma coisa”?), queria citar o trecho de um romance que estou lendo, chamado "A elegância do ouriço", da escritora francesa Muriel Barbery. Uma das personagens divaga sobre o movimento:

“Não sei muito bem como explicar isso, mas, quando nos deslocamos, somos, de certa forma, desestruturados por esse movimento 'para': estamos ali e ao mesmo tempo não estamos ali porque já estamos indo para outro lugar, se entendem o que quero dizer. Para parar de se desestruturar, é preciso parar de se mexer. Ou você se mexe e não está mais inteiro, ou você está inteiro e não pode se mexer”.

O curioso é que a personagem fala literalmente da desestruturação do corpo, mas não há como não pensarmos na desestruturação do nosso modo der ser sujeito (portanto, de nossa subjetividade). Sei que muitos têm urticária com a minha separação corpo-mente, e concordo que as coisas não são separadas, mas também não são uma coisa só. Quando a personagem fala que é preciso parar de se mexer para parar de se desestruturar, a gente pode ler isso ao pé da letra e também metaforicamente. E ambas as leituras servem, a meu ver, para a dança, mais do que para qualquer outra arte. Até andar tem a ver com esse jogo de desestabilização, uma vez que a gente lança um passo sempre em direção ao desequilíbrio, mas que é resgatado por uma estabilidade provisória que prepara a próxima desestabilização (credo, estou querendo ensinar os padres a rezarem missa).

Também curioso é que, do meu ponto de vista, a citação do romance se aplica à dança, mas não a explica especificamente (portanto, não a define). Por que digo isso? Porque a personagem faz essa observação sobre o movimento ligado à desestabilização enquanto está assistindo a... uma partida de rugby.

O movimento artístico e o movimento do jogo... eis uma questão para os próximos capítulos.

Abraços.

Cezar Tridapalli

OBS: outra sugestão literária sobre movimento e desestabilização é "A paixão segundo GH", de Clarice Lispector, sobretudo a parte na qual ela fala sobre a criação de uma terceira perna.

Mábile disse...

Ronie, provocação aceita...rsrsrsrs

Agora estou com a pulga atrás da orelha com essa palavra facilitadora. Talvez ela não seja a mais adequada quando falamos de dança, de dança onde as ideias são, circulam, e por ai vai...

Vou propor (fugindo da raia na cara dura....hihihi) uma outra colocação que cabe melhor e que seja mais sólida nesse momento.

Proponho que a dança sirva para abrir possibilidades de intercâmbio de ideias, ora mais fáceis, ora mais difíceis.

Como não temos modelos que assegurem o discurso neste território das ideias dançadas, a troca de ideias/sensações/percepções é um desafio que contabiliza o cada um e o outro simultaneamente. Se isso vai ser fácil, péssimo, harmonioso, difícil....só trocando ideias para saber.

E aí, te interessa trocar????

Bjãooo da Mapi

jessica disse...

Fiquei sem usar a internet durante alguns dias. E mesmo sem acessar o blog, a pergunta do Ronie insistia na minha cabeça.

Dança, pra mim, não serve - respondia - Sou da imagem, afinal.

Já serviu. Na época em que dançava na escola, serviu para (re)conhecer meu corpo e para descobrir que seu pontencial expressivo extrapolava a funcionalidade de comer-dormir-respirar.

Serviu também em pistas de dança, para divertir e seduzir.

Hoje não serve mais.

Volto as mãos para o teclado, e com movimentos contidos nos dedos, sigo a edição.

No final do dia, tenho o corpo cansado - de ficar tão parado - e a mente cansada - de ter andado tanto, percorrido tantos caminhos, tramas, teias narrativas.

É quando a pergunta que estava na cabeça vira resposta no corpo. Acompanhando a música que tocava no computador meu corpo começa a se mover. Primeiro lento, como que acordando, ampliando, se percebendo. Depois mais energético, ágil, avança, volta, quase bate na estante, estanca. O braço puxa o tronco, desce pelo quadril, dobra o joelho... Enquanto o corpo percorre seus caminhos, minha mente corre atrás (junto?). Neste movimento, o mapa mental tecido durante o trabalho da edição vai ganhando corpo, vai virando corpo.

________


Como disseram Gla e Mapi, neste caso tb a dança não serviu "para", ela foi algo. Algo que transita por palavras ditas tão bem por vocês: experimentar, comunicar, desestruturar, conhecer.

Ludmila disse...

E assim chegando nessa conversa de possíveis sentidos da dança na vida/ no mundo, concordo com as palavras da Gladis e da Map quando nos dizem que a DANÇA JÁ É!!

A Dança serve para em meio aos automatismos/ a correria da vida, escutarmos –movimentarmos -sentirmos nossas vontades, nossos incômodos. É um movimento de encontro conosco, com o outro. É o convite de entender o modo como nos relacionamos com as pessoas, com os fatos da vida. É sentir na pele, no músculo, no osso o prazer de extrapolar sentimentos, sensações, vontades. É UM GRITOO!!! GRITO QUE SAI DE REPENTE NOS INSTANTES DE FELICIDADE, DE PRAZER, DE DOR!

Mas mesmo assim questiono o que isso interessa para os pais que matriculam seus filhos na dança? Sim, as vezes me pego pensando o que falar para mostrar aos pais a potência da dança. Vejo que para muitos "pouco importa" esse lugar de movimentar sensações e , ainda mais, olhar para como agimos nos ambientes.

E para esses pais que vêem a dança apenas como ambiente para brincar e passar o tempo, digo---)a dança é mais. A dança cutuca o sujeito a-- experimentar outros modos de mover ; aprender a se posicionar ; questionar o que te falam o que acredita;(re) criar sentidos para as coisas que vemos, ouvimos, tocamos.. E se os pais ainda acham isso pouco, Me pergunto: O que querem para seus filhos?? Que tipo de pessoa você considera que, hoje, se “destaca” no seu trabalho, na sua vida, no Brasil ? O que te chama atenção nessas pessoas?


Abraçoo
Lud!

entretantas produz disse...

Cezar
Muito legal essa citação da Muriel Barbery.Linda!
Parece que é inevitável mexer, mover e assim é inevitável experimentar o jogo entre estabilidade e instabilidade. A tal desestruturação.

No final do seu comentário sinto que, de uma maneira bem sutil,você levanta uma questão e já penso nela.
A autora fala isso vendo um jogo sim. Parece que a questão que você levanta é: o que define a dança como dança? o que ela tem de diferente de qualquer outra coisa no mundo? quais as especificidades da dança? Por que chamamos dança e não teatro ou jogo ou ou ou ? bela provocação!!!

ai ai ai. Um abraço!
Gladis

entretantas produz disse...

Jê te vi dançando no final do dia. Consegui daqui vislumbrar, sentir o desenho dos teus movimentos/sensações.
O Cezar, aqui em casa, descaradamente, para provocar me perguntou: isso aí que a Jê fez, não é dança terapia? Nada contra dança terapia. Mas penso que não. Você sintetizou o teu dia de trabalho artístico da produção do filme, no corpo. O mesmo corpo que viveu todas as imagens, elaborou, criou na configuração filme/cinema, agora, configura em dança tudo isso. Isso é arte. Serve para isso. Isso o quê?

beijo
Gladis

Ronie disse...

Otimas todas as proposiçõs questões colocadas, levantadas. Minha cabeça fervilha, e nem sei por onde começar...SEi que não tenho obrigação de responder nada, mas por ter sido eu a levantar a questao estou com o ditado infantil na cabeça: Quem inventa, aguenta"
Lendo o comentario da Ludmila, que tambem concordo, observo algo curioso, pois mo 1 paragrafo lud diz: "concordo com as palavras da Gladis e da Map quando nos dizem que a DANÇA JÁ É"... e logo no paragrafo seguinte ela começa falando de que a dança SERVE para movermos nossas vontades no meio dos automatismos da vida, etc.

Bom, pelo que "concluo" então é que DANÇA "é" e ela SERVE então para algo. Mas de que dança é essa que estamos falando? Podemos falar de uma ontologia da dança? O que define dança como dança é realmente uma questao pertinente que ja emergiu pelos comentarios de Cezar e o ultimo de Gladis.

O primeiro comentario do Joubert está ainda batendo batendo na minha cabeça...

Pois quando eu pergunto para que serve a dança? De que dança estou falando? Sera que o poll dance tbm serve para movermos nossas vontades e nos tirarmos do automatismo da vida? O que tem em comum entre o poll dance (a dança do varão) e a dança contemporânea?

Não sei se existe uma unica resposta para isso, pois como discutimos sexta feira na Cia senhas, falar de dança contemporânea é complexo justamente por nao existir uma só forma de pensar e fazer dança, e tambem por ser impossivel e ingenuo acreditar que tudo o que é ´produzindo em dança na contemporeneidade é a tal da "dança contemporanea"

Embora ainda acredito que podemos encontrar algo em comum entre o poll dance e a dança que produzimos...

Ronie disse...

Retifico: a(s) dança(s) que produzimos...

joubert disse...

olás...

bom ler as reverberaçôes... para quem danço? danço para perceber o mundo de outro modo que é perceber as pessoas de outro modo. Dizer que danço para alguém pode parecer superficial, mas se pensamos no performativo na dança, dançamos para criar conexões, com o outro e, principalmente, com nós próprios. Deixar me ver, danço danço danço e olho para o público que olha para mim e nem sempre vejo sinto pelo olhar mas de outro modo, mistura de sentidos (somatosensorialmente). O incrível é mesmo dançando para mim acabo dançando com o outro, tento me desracionalizar e uma frase vem me perseguindo desde lisboa, agora em março, em juberës: "Só podemos levantar a hipótese de parar ou qualquer outra ação se estivermos em movimento", ou seja, dançar é permear as camadas do corpo e suas estruturas móveis que ora precisam de estabilidades para desestabilizar, que ora pedem instabilidades para estabilizar...ah, encontrar algo comum no que parece muito muito distante, como vc diz ai, Ronie, sobre poll dance está quando questionamos o que nos motiva a dançar de um jeito e não de outro. Na minha dançinha sambarroxé, vivo o clichë para desestabilizá-lo, mas tem momentos que o corpo quer apenas sambarroxear, ser poll dance...e tento não me censurar para não deixar escapar o que a obra quer ser. Pois se produzimos danças também somos produzidos por ela, transformados para estarmos no mundo de outro modo, perceber o mundo de outro modo, dança que criar frestas na dinämica da percepção ... e sobre a refiticação do plural, gosto também de "danças contemporäneas"...

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