JARDINS – EXPERIÊNCIAS (SENSORIAIS) E COREOGRÁFICAS

on sábado, 16 de abril de 2011


Esse texto não pretende ser critica, não pretende ser poesia, não pretende ser elogio, não pretende ser artigo.

Escrevo sobre Jardins como quem faz um texto experiência ou uma observação poética, ou ainda como quem brinca com teoria, percepção de espectador e criação. Escrevo como quem se permite estar em 1 ou 3 pessoa. Ser eu ou ser eles.


Enterro meus pés num jardim

De costas observo o prédio que me olha

Subodesço escadas e

deitado sou quase porta e janelas

Meus ossos frágeis ossos paredes

revelam dores e paisagens.

Jardins- experiências coreográficas é resultado e síntese criativa da pesquisa do Coletivo Batton de Dança.
A delicadeza do trabalho se mostra em pequenos detalhes, da maneira como somos recepcionados ao entrar no espaço físico aos sapatos de plástico das bailarinas.

E dentro da PIP Galeria, na 13 de maio que paisagens são criadas. Jardins constroi no tempo e no espaço paisagens sensoriais, e revela pelo vidro transparente da sala da PIP uma cidade.

Paisagens pessoas  e como pessoas
transbordo em silêncios e colapsos
Prostrado no chão
olho a chuva de plástico
que cega meus olhos e pernas

Um jardim é um lugar de paragem e trânsito. Um jardim pode ser um jardim de infância, ou um esconderijo no meio da cidade. Um lugar privado ou publico. Um lugar de descanso ou uma vitrine de flores, que tenta esconder o caos e a miséria. Há jardins, e Curitiba está repleta deles que são estratégias publicitárias em forma de canteiro de flores. Um jardim é um espaço de contradições. E um espaço romântico e político.
As escolhas e ações performáticas ou apenas sensoriais feitas no Jardim Ambiental, na ONG e na PIP são maneiras de articular teoria e prática. De dialogar corpo e cidade. Corpo e jardim.
Jardins não representa o espaço, e as bailarinas não representam as ações propostas do lado de fora do estudio em que trabalharam durante o processo.
Jardins cria e dissolve imagens poéticas movendo o olhar do publico para o corpo e para o ambiente.
A poética do trabalho surge de uma combinação de experiência de dentro e fora do estudio. Dentro e fora do corpo. Iluminação, figurino, trilha sonora, corpo e cidade ocupam a mesma importância nos 40 minutos de "espetáculo". Palavra essa um pouco estranha para falar de Jardins.
Os procedimentos de criação escolhidos por Batton revelam uma maneira de entendimento e de interesse pela dança, e como escreve Rosemeri Rocha na cartilha (programa) dado ao publico, o que o trabalho pretende é "reinventar corporalidades, subjetividades e sensorialidades, talvez já descartadas ou esquecidas do contexto artístico"

Um som interrompe seus gestos
jorro água de meus olhos
e dos canos do banheiro
enxarco todo teu corpocasa

crio poemas com papéis e sacolas

solidão é vocêcidade

Jardins - experiências coreográficas é político por acreditar na sensorialidade como processo comunicacional, é político por assumir e sustentar silêncios e paragens num contexto como o que vivemos.
É exatamente nesse território entre pausa e deslocamento que o trabalho problematiza suas questões É nesse território complexo que as três bailarinas (Luciana Navarro, Renata Roel e Mariana Batista) expõem suas inseguranças e fragilidades, que em alguns momentos escapam pelos seus olhos.
Em ações aparentemente simples como sentar, deitar, deslocar ou andar de costas é que emerge movimento. Sem cair em lugares comuns conceituais, o trabalho revela outros lugares de fazer/pensar a dança. Lugares esses as vezes quase cotidianos, como o de jogar sacolas plasticas ao chão, ou sentar-se em um banco de costas, ou mesmo estar parado em pé.
Hubert Godard, num interessante  artigo chamado Gesto e percepção  (publicado no livro Lições de Dança2) atenta ao fato que permanecer na postura ereta, além do problema de locomoção,já  contém elementos psicológicos expressivos, antes mesmo de qualquer intencionalidade de movimento ou de expressão.
Godard nesse mesmo artigo define como pré-movimento essa atitude do corpo, antes de se iniciar qualquer movimento, que se estabelece pela relação ao peso e à gravidade. A relação do corpo com a gravidade e ao seu próprio peso já contem em si um certo humor, e um projeto sobre o mundo.
O autor nos explica ainda que é o pré-movimento que age sobre a organização gravitacional, ou seja, a maneira como o sujeito organiza sua postura para ficar em pé e responder à lei da gravidade nessa posição. Para ficarmos na posição ereta precisamos acionar um sistema muscular gravitacional, e a ação desse sistema muito escapa de nossa vontade.

Quando estamos em pé não precisamos ficar o tempo todo pensando: “estou em pé, estou me relacionando com a gravidade etc.” São esses músculos que segundo Godard nos permitem ficar em pé sem precisarmos ficar nos lembrando disso, e são eles também os responsáveis por registrar as mudanças em nossos estados afetivos e emocionais. Logo toda a modificação de nossa postura terá uma incidência em nosso estado emocional e reciprocamente, toda a mudança afetiva provocará algo em nosso corpo, mesmo que isso seja aparentemente imperceptível.

Mudanças de posições ou de ação, além de poder provocar e afetar aquele que a executa (no caso as 3 bailarinas) também têm a potência de provocar e mover aquele que assiste, e é nessa zona de criação que o trabalho Jardins se coloca.

..."a informação visual provoca no espectador uma experiência cinestésica (sensações internas de seu próprio corpo) imediata. As modificações e as intensidades do espaço corporal do dançarino vão encontrar ressonâncias no corpo do espectador” Hubert Godard

Meu desejo estanca em concreto
Enquanto parto meus ossos da bacia
Encontro a parede branca
Numa janela ao longe alguém
acende uma luz

Ronie Rodrigues

3 comentários:

Rose Rocha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rose Rocha disse...

Ronie Rodrigues,

Grata pelo texto que fizeste com tanto entusiasmo, crítica e poesia. A DANÇA, hoje, gera textos, conhecimento,crítica,posicionamentos, mas precisa também ser mais compartilhada, encantada,desvinculada dos modos de olhar e de fazer.
Ações como essa são necessárias para que a crítica exista de forma CRÍTICA e não apenas fique inclusa nos bastidores, nos nichos e nos corpos ausentes.
MUITO OBRIGADA.
Beijo e sucesso!!!
Rose Rocha

entretantas produz disse...

O trabalho Jardins é lindo e a leitura do Ronie um desdobramento sensível, forte e delicado como o próprio Jardins. Legal perceber os textos que produzimos a partir de uma obra. Dança é texto, escrita, fala, sensações, imagens, memórias são textos.
Enfim, registro aqui um super parabéns a toda equipe BATTON e deixo minhas sensações do trabalho:

Incolor,transparente, água, transpira, cortina vermelha, PLÁSTICO, vidro, escada, pernas, degrau, o fora o dentro, sandálias que lembram a infância...crianças correndo, choro de madrugada, flores no vestido, flores no pensamento...grama verde no linólio preto, banco que senta que deita que toma banho. Mulheres, diferenças, presenças, estrelas. Entradas, saídas, PAUSAS,espaços, SILÊNCIOS, SAUDADES. Trilhas, parede, solidão a três. Multidão sozinha.

beijo
gladis

Gladis

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