Ensaio à distância?

on sexta-feira, 17 de junho de 2011
Um futuro marcado: Próximas distâncias será apresentado no SESC da Esquina, dias 2, 3 e 4 de setembro, em Curitiba.
Como retomar um trabalho cujo processo foi realizado à distância?
À distância.
Não poderia ser diferente, ou melhor, não há como ser diferente, pois a distância permanece e continua condicionando nosso modo de dançar. A Candice em Salvador até o fim do ano e depois Holanda. Gladis em Curitiba.



 
Faz um ano e meio que não dançamos o Próximas Distâncias. Intervalo de tempo marcado pela gravidez real, gravidez simbólica, nascimento e muitos renascimentos. Quanta coisa aconteceu, desde que o Próximas estreou no então teatro Odelair Rodrigues, em dezembro de 2009. Continuidades de tudo que envolve e revolta. Movimento da vidadança arte, sem vírgulas para separar. Intervalo de tempo não como esquecimento do que foi dançado em Próximas. Não há como esquecer. Impossível, pois o corpo deixa à mostra o que mesmo em mudança continua pulsando, inquietando, tecendo internamente.
As questões, que um dia geraram o trabalho, reverberam e pedem espaço para serem atualizadas e rediscutidas com dança. A mesma dança?
Da minha janela ainda consigo, entre árvores, sol, chuva, lua cheia, enxergar o caminho da Rua Fernando Amaro. Um caminho que ainda visito, habito. Um caminho, lugar, espaço, que de bicicleta fui comemorar a volta sem ter ainda entendido a ida.

Sente, desvia, olha, passa, tigre, tigre, segue, espera. Tomba. Lembra, fica. MUDA.

Como e o que fazer para retomar a obra Próximas Distâncias?

Estudar como fazer e ao mesmo tempo ir fazendo, porque da obra emerge o reobrar.

Aproximar-se das ideias de Lepécki, no texto “Planos de composição”, que Giancarlo Martins, nosso maravilhoso colecionador de bons assuntos e interlocutores, nos apresentou, foi um jeito de problematizar o modo como podemos escolher algumas estratégias/experimentos para o reobrar.

André Lepecki fala do plano de composição do retorno, da repetição ou do re-enactment:

“A quantidade crescente de re-enactment na dança contemporânea nos fala da vontade de obras querendo se “reobrar” numa possibilidade daquilo que já foram uma vez. No conceito de re-enactment estão contidas as ideias de tradução, recriação, repetição com/como diferença – um modo de transcriação (...)”.

“O re-enactment não recria uma obra passada, não resgata uma dança parada no tempo que já foi. O re-enactment atualiza virtuais presentes e concretos da obra que já foi mas que, no entanto, ainda age e por isso ainda é. Funciona assim: uma obra se agencia a um coreógrafo; nesse agenciamento, atualiza-se uma vontade: a vontade de ser não aquilo que já foi, mas tudo aquilo que não foi e que ainda está por vir a ser (porém, continuando ser a mesma obra). Em sua atualização renovada, isto é, no seu re-enactment, a obra passa a ser algo que nem o original imaginava ser possível – muito embora o possibilitasse.”

E segue por aí, falando também do corpo como arquivo. É o corpo como arquivo que possibilita o reobrar.

 “O arquivo em Foucault, não é uma gaveta, um prédio, uma instituição – é um sistema dinâmico de “formações e transformações de enunciados” que delimita o nosso estar no mundo. É por isso que o re-enactment sempre transforma: porque arquiva. Na dança, o  re-enactment descobre, além do mais, que é corpo o modelo privilegiado desse arquivo transformador. Porque o corpo é sempre errante, agenciador, precário, inventivo, desejante, fugitivo de si mesmo e mortal, a dança descobre-o como sendo justamente a dispersão dispersante na origem. Corpo é sempre corpo-arquivo, porque formador e transformador de si mesmo e dos enunciados que o fazem e o delimitam”


Pensando nessas e em tantas outras coisas e para dar início ao nosso reobrar, sentimos a necessidade de um encontro presencial, um intensivo Próximas, como assim chamamos. Foi preciso o corpo a corpo, no mesmo lugar e espaço.


De avião, com nosso estado de voo, Cândi, em junho, aterrissou em Curitiba e de bicicleta corremos as ruas. Com nossos quatro pés traçamos os mesmos caminhos, empurrando o carrinho da Olívia. Juntas, tocamos o chão branco, o chão de pedras, o chão de grama. Olhamos o vídeo, nos olhando olhamos e as ideias e vivências do processo foram movidas. Saudades e lembranças foram atualizadas. Vontades alinhavadas. Sentimos falta do que ainda não vimos. 

E desse intensivo Próximas, criamos um roteiro de ensaio para ser realizado, por nós duas, à distância. Cada uma em sua cidade. Esse roteiro não é a organização ainda do que está na cena, ou seja, não é a organização/ordem do que é exatamente dançado em Próximas como obra. É um mapa de proposições/tarefas que emergem dos procedimentos presentes tanto no processo como na cena e também no que hoje, em 2011, nos faz sentido e é desejo experimentar.

As proposições escolhidas estão numeradas do 1 ao... No entanto, esse roteiro não precisa ser experimentado na ordem. Ao contrário, que seja escolhido o que é possível e desejável fazer no dia de ensaio e sempre atento aos emergentes desdobramentos dessas tarefas.

Além do roteiro temos outros dois procedimentos metodológicos:
1- Comunicar/compartilhar uma à outra, por escrito, via email e blog, o que aconteceu no ensaio, enviando possíveis tarefas que emergiram desses ensaios.
2- Transitar entre ensaios individuais e ensaios em conjunto. Ensaio em conjunto é aquele que, por Skype, as duas ensaiam ao mesmo tempo e a partilha do procedimento se dá em tempo real.

***

Hoje dia, 16 de junho, quinta-feira – Primeiro ensaio à distância

Não avisei Cândi que ia ensaiar, não liguei o Skype, nem email. Confesso que espiei o vídeo do Próximas para ver Cândi, ver a gente juntas e tomar coragem para esse teste.
Desligo o vídeo e começo com uma dancinha, brincando com Olívia, aquecendo os músculos, glândulas, órgãos, ossos e respiração. Aquecendo o CORAÇÃO também. Senti falta da presença carne real. Que saudade de você, Cândi! Semana passada você estava aqui e deixou seus rastros pelo chão branco.

Comecei com a proposição de número 1 do roteiro, por costume BOBO de começar pelo 1:
- experimentar o estado de caminho percorrido (que vira partitura de deslocamento) e depois criar vestígios/costuras de linha a partir da partitura.

Retomei esses lugares, mas senti que meu corpo prontamente, QUE COISA, apresentou formas que havia no trabalho. NÃO GOSTEI. Queria um pouco de frescor, aquele frescor de início de trabalho. QUERIA SENTIR MAIS, principalmente no que se refere a construir os vestígios/costurando e no que se refere ao meu dia de hoje. Então me coloquei um problema, inverter todas as direções. E assim fui invertendo, o que era para direita fui para esquerda, o que era com perna direita fiz com braço etc, etc. O que era pequeno fiz grande, o que era grande fiz pequenininho ou invisível e assim fui invertendo as lógicas de espaço. Me senti sem chão, em dúvida, vivendo o abismo gostoso de não saber o que fazer, fazendo. OLÍVIA, sentada no seu chãozinho, micro mundo mundo grandão, RIA MUITO. Continuei sentindo muito a falta da Cândi. Um vazio. Olívia cambaleando para frente, parece que percorrendo, copiando o que via. Risos! Olívia bate a bochecha no chão. Susto. Ai ai ai. Olívia preenche, por segundos, o vazio deixado por Cândi. Ajeito, com beijinhos, Olívia na posição sentada. Retomo.

Voltei na tentativa de fazer como era, com a lógica espacial de Próximas, ou seja, como aparece no trabalho e então senti que esse conjunto de movimentos estava vivo e transformado. Conjunto de formas/movimentos que se tornam estados como jogo de tensões, forças, estranhezas.

Cândi: se for experimentar o 1,  fica a dica de inverter a lógica espacial, depois retornar a ela.

Beijo grande

Gladis

4 comentários:

Candi disse...

Oi Glá, que saudades !!! Foi tão bom te ler agora, entrei aqui pra postar um comentário e te li !!! O que têm acontecido nos meus dois primeiros ensaios é que o tempo todo te visualizo e converso contigo no espaço !!! Engraçado que fizemos nosso primeiro ensaio dessa nova fase, no mesmo dia (16/06)!!! Vou pensar muito nessa lógica espacial que tú falas Glá, pois, o que tem acontecido é que relembrar uma ordem de organização já é organizar de outro jeito. Me faz relembrar um momento de coisas do processo, misturar. MUDAR. Sinto muito a tua falta e da Olívia e tô tentando aprender um vazio cheio. Beijos com amor e aí em baixo segue meu comentário !

Um primeiro momento de ensaio à distância:
distância como solidão.
Solidão que não é sozinha, pulsa presença, solidão-multidão.
Solidão-multidão
de pequenas distâncias, de proximidades
Tenho imaginado nas memórias que a solidão possibilita ao mesmo tempo que mistura a margem da vida.

Fernando de Proença disse...

Glá, achei LINDO. Can. Parecido e Diferente com a minha história de agora:

Depois de longos e INTENSOS meses de trabalho com o cem, aprimoramento de estados e autonomias, cheguei em Berlin no início desse mês, para dançar na HZT Berlin. Somos um trio: Cinira Macedo, Claudia Tomasi e eu. Tudo começou com o desejo de dançar junto. Tudo começou porque as afinidades são tantas. Tudo começou do começo: Ainda em Curitiba a Cinira (num intercâmbio Casa Hoffmann - Cem) passeava pelos mesmos lugares que eu. O Largo da Ordem, o caminho para a Obragem, a Praça Santos Andrade,... e a gente foi junto nesse tempo...Por causa desse tempo, danço hoje. Mais: Eu em Lisboa, agora pela segunda vez, andava percorrendo os espaços entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Prata, Praça Martim Moniz, espaços percorridos sem a Cinira que já estava nessa Alemanha que a gente divide agora. Começaram os e-mails (Cinira: Berlim/ eu: Lisboa) e a proposta foi clara, direta e aceita: Dançaríamos a Clarice e Sua Paixão e dançaríamos a ausência. Agora, depois de duas semanas de ensaios (compactados em 1 mês, INTENSOS ), já descobrimos um jeito de operar juntos. A Cláudia vem mais tímida, como se fosse a presença da própria ausência, não pode estar conosco todos os dias no espaço. A vontade de ter uma estrutura que permita que a dança aconteça independentemente do outro estar, não é só vontade é o que a própria dança dança para sobreviver (Cinira: Portugal/ Cláudia: Itália/ Fernando: Brasil).. Então, temos uma peça criada coletivamente e que é dança por três, dois ou um. Para isso, estamos criando um livro de instruções para o dançador dançar. Como a peça acontece com ações que duram 1 minuto e são desencadeadas por frases lidas e vividas, cortadas e continuadas, essas ações estarão no livro e no dia da dança, à sorte, criamos uma sequência com essas direções, e dançamos com o outro. Mesmo que sós. Dia 30.06. 2011 a dança acontece, em Berlin, no formato três performers. A dança continuará em outros formatos...e o possível nome para ela é: O DESERTO TEM UMA UMIDADE QUE É PRECISO ENCONTRAR DE NOVO. Tudo parecido com o trabalho que eu adoro Próximas Distâncias e tudo diferente, deslocado. Escrevi esse pedaço de texto porque o texto da Glá me abriu um mundo aqui. Obrigado. Em setembro vou ver a dança, YEAH!

Anônimo disse...

Que lindo Fer. Lidar com distância é sempre uma mescla de solidão e proximidade - preenchimento e vazio.
E por falar em distâncias: saudades grandes de você e que bom que você está por aí dançando bastante.
beijo
Gladis

re roel disse...

Que bom ler isso tudo, e saber que não estou sozinha, mesmo que mais ou menos 2 anos depois.

Foi curioso googlar procurando por composições e encontrar vocês dias depois de reler "Planos de Composição"...entre tantas conexões, mais essa!

Agora, na distância e ao mesmo tempo perto de tantas outras coisas trabalho intensamente com essas posições que Candi escreve-fala-move:

"distância como solidão.
Solidão que não é sozinha, pulsa presença, solidão-multidão.
Solidão-multidão
de pequenas distâncias, de proximidades
Tenho imaginado nas memórias... "

Beijos grandes, logo logo aqui e ai compartilhando as danças!!!

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